sábado, 30 de junho de 2007

António Costa: Demagogias


Em pouco mais de um mês, António Costa passou de Ministro da Administração Interna a candidato à Câmara de Lisboa.


Olhando para aquilo que tem sido a sua campanha, ou o socialista ainda não consegue destrinçar os papéis que cumpriu (Ministro) e que está a cumprir (Candidato) ou então as suas propostas não passam da mais pura demagogia política.


Parece-me clara a manobra política por parte do Governo ao abrir um precedente para nova discussão sobre a localização do novo Aeroporto. É preciso fazer um grande esforço mental para recordar uma questão estrutural em que o Governo tenha recuado. Acontece que uma insistência irredutível na OTA prejudicaria a popularidade do Governo e do candidato Socialista.


A decisão da OTA fica adiada por seis meses e estuda-se a hipótese de construir um novo aeroporto mantendo o Aeroporto da Portela activo, aquilo que se tem apelidado de "Portela + 1".


A segunda demagogia foi protagonizada por Ana Sara Brito, a terceira da lista do PS às intercalares de Lisboa.


Num debate promovido pela ILGA (International Lesbian and Gay Association) a socialista disse que a candidatura de António Costa está a aberta à realização de casamentos civis entre homossexuais.


«O direito dos homossexuais ao casamento é um direito que nós defendemos»


Ana Sara Brito defendeu igualmente que os casamentos se deveriam realizar no Salão Nobre da Câmara e que os noivos poderiam casar numa cerimónia como os casamentos de Santo António. «Esta é a opinião da equipa liderada por António Costa» rematou.


O meu ponto de discórdia não se prende com qualquer preconceito homofóbico. Apenas com o facto desta medida não ser exequível.


Primeiro é pura demagogia tratar a questão do casamento entre homossexuais como uma questão local, apenas de interesse dos Lisboetas e não como uma questão nacional. O outro ponto prende-se com a capacidade de colocar este designo politico em marcha.


Para que sejam possíveis casamentos entre homossexuais esta medida terá obrigatoriamente que passar pelo Parlamento e Tribunal Constitucional, nunca poderia ser uma questão camarária.


António Costa foi protagonista de uma iniciativa de sensibilização inédita no inicio dos anos 90, na qual através de uma corrida entre um Burro e um Ferrari (que o Burro acabaria por vencer) demonstrou o trânsito caótico na Calçada de Carriche.


Na campanha para as intercalares de Lisboa as ideias urgem.



domingo, 24 de junho de 2007

Donos da Bola


O inevitável aconteceu.


Num outro artigo fiz referência às mudanças que se têm operado no futebol moderno. Embora através da prática desportiva a fachada dos clubes permaneça a mesma todos os seus alicerces mudaram.


Ao clube desportivo sobrepõe-se o clube-empresa, o adepto, através das relações públicas e departamentos de comunicação, deixa de ser visto como um apaixonado pelo emblema mas como cliente, potencial consumidor.



Mas o parâmetro que mais equipara o mundo do futebol com o empresarial é a constituição de SADS (Sociedades Anónimas Desportivas) e, concomitantemente, a cotação em bolsa.


A entrada dos clubes em bolsa torna-os vulneráveis a terceiros mas também o responsabiliza pois todas as operações passam a ter a obrigação de serem reportadas a comissões de valores.


A gestão passa a ter que ser coerente dado estar-se a gerir capital de accionistas que, em tempo real, poderão penalizar o clube através da venda (e consequente desvalorização) das acções.


Ao entrar no mundo bolsista e à semelhança de qualquer empresa, os clubes de futebol passam a ter um preço, passam a ser vendíveis.


O fenómeno de compra de clubes começou precisamente há 21 anos quando o ex-presidente Italiano Silvio Berlusconi comprou o AC Milan por 59 milhões de euros.


Mais recentemente a liga inglesa tem sido o paradigma do investimento de magnatas em clubes de futebol onde se destacam as compras do Chelsea, em 2003, por Roman Abramovich (163 milhões de euros), do Manchester United, em 2005, por Malcolm Glazer (1,1 mil milhões de euros) e do Liverpool, em 2007, por George Gillet e Tom Hicks (321 milhões de euros). Mas também West Ham, Aston Villa, Portsmouth, Fulham e Newcastle pertencem a multimilionários.



Em Portugal, à semelhança de outras coisas, esta realidade chegou tarde.


Joe Berardo, através da Metalgest, lançou uma Oferta Pública de aquisição sobre 60% (9 milhões de acções de categoria B) do capital da Benfica SAD. Acontece que ao contrário das mais recentes OPAS lançadas em Portugal nos tempos mais recentes (Sonae/PT ou BCP/BPI) [nas quais curiosamente Berardo teve influência no seu desfecho] a OPA lançada ao Benfica não é revestida do carácter coercivo das anteriores.



Para qualquer teórico de Marketing um factor decisivo para que uma marca seja apetecível para o mercado é que ela transmita valores para os consumidores. A Vodafone quer perpassar uma ideia de dinamismo, a MTV de irreverência, a Mcdonals de pragmatismo. A marca Benfica vende-se por si própria e ao contrário da maior parte das marcas comerciais não tem rosto, tem alma.


Enquanto empresário Berardo só investe com a intenção de ter contrapartidas e retorno financeiro.


Recuperado da profunda crise que atravessou na última década o Sport Lisboa e Benfica tem as suas contas em processo de equilíbrio, a maioria das dividas saldadas e tem apostado no património imobiliário (Estádio da Luz e Caixa Futebol Campus). O Benfica é o clube com mais associados (mais de 160 mil), figura entre os dez clubes míticos do mundo e tem uma dimensão global nos países de língua oficial portuguesa de que poucos clubes do mundo se poderão gabar.


E que empresa nacional conseguiria, apesar de dez anos de gestão danosa, manter essa projecção internacional?



Apesar da dinâmica actual o ex-ministro Bagão Félix considera que o Benfica se encontra «subvalorizado» e dá como exemplo do caso do Villareal, uma equipa de uma cidade com 45 mil habitantes, que «ganha três vezes mais que o Benfica em direitos televisivos.» Para Berardo há muita gente a ganhar dinheiro à custa do Benfica.


sexta-feira, 15 de junho de 2007

Guerra das Liberdades


O que têm em comum os anos 64 d.C, 1933 e 2001 ? O que poderão ter em comum o Imperador Romano Nero, Adolph Hitler e George Bush? Até onde alguém está disposto a ir para ver o seu poder aumentado?




Seria na noite de 18 de Julho do ano 64 d.C. que o núcleo comercial da capital do império romano, Roma, seria fustigado por um violento incêndio. Nero, o imperador romano, atribuiu as culpas do incêndio aos Cristãos. O que terá levado Nero a acusar a comunidade cristã?


Segundo alguns historiadores, o movimento cristão encontrava-se em clara
expansão e constituía uma ameaça a um Império politeísta que não abdicava do seu culto. Os professantes do cristianismo estavam a ocupar cargos públicos e a reforçar a sua posição na sociedade. Uma outra versão refere que a sanidade mental de Nero há muito que estava em causa e que este terá incendiado Roma apenas com o intuito de a reconstruir a seu bel-prazer.


Em 1933, Adolph Hitler formou um governo de coligação constituído por nazis, nacionalistas, independentes e católicos. Da sua chegada ao poder até à instauração de um regime ditatorial foi um pequeno passo. Segundo o historiador William Shirer, a 27 de Fevereiro de 1933, Hitler terá orquestrado o incêndio ao parlamento alemão (Reichtag) para, logo depois, atribuir as responsabilidades aos Comunistas.


O povo alemão acreditou nesta acusação e reforçou os poderes do
Reich através da aprovação de uma lei de autoridade que concedeu poderes de ditador a Hitler. Por seu turno, o partido nacional-socialista cimentou a sua posição no governo com 90% dos votos. Através desta consolidação de poderes Hitler passou a controlar a imprensa e suspendeu actividades dos partidos de esquerda.



Desde 1989, com a queda do muro de Berlim, os Estados Unidos passaram a dominar a ordem internacional. Para além de um mundo unipolarizado verificou-se um fenómeno raro; os EUA deixaram de ter um inimigo concreto. Era necessário um bode expiatório. O alvo do século XXI passou a incidir sobre os muçulmanos.


Em 1991, após o Iraque de Saddam Hussein ter invadido o Kuwait, com o intuito de controlar os poços de petróleo, soldados da ONU liderados pelos Estados Unidos iniciaram o processo de libertação do Kuwait.
Em Abril do mesmo ano a guerra terminaria. O Iraque aceitou o cessar-fogo imposto pelos EUA, porém sofreu duras sanções económicas por não entregar o seu armamento químico.
E quem era presidente dos Estados Unidos em 1991? Nada mais do que George Herbert Walker Bush, pai do actual presidente americano, George W. Bush.


Em 2002, o New York Times desvendou alguns dos mais guardados segredos de manipulação mediática. O Pentágono terá criado o SIE (Serviço de de Informação Estratégica), sobre alçada de Ronald Rumsfeld, um organismo autorizado a praticar desinformação. O SIE tinha um acordo de 100 mil dólares com o Rendon Group, um organismo já havia sido contratado para a Guerra do Golfo e que foi responsável pelo testemunho de uma falsa enfermeira Kuwaitiana que afirmou ter visto soldados Iraquianos a saquear uma maternidade e "arrancar bebés das incubadoras e matá-los sem piedade". Este testemunho foi decisivo para que o Congresso aprovasse uma acção militar no Golfo.


O dia 7 de Outubro de 2001 marcou um outro momento histórico. Pela primeira vez na história uma coligação declarou guerra não a um País, não a um Estado mas a um único homem: Osama Bin Laden.


Se a justificação para a Guerra do Afeganistão foi discutível. O conflito no Iraque deixou exposta a manipulação levada a cabo pelos EUA para atingirem os seus intentos.
A invasão ao Iraque, justificada por Colin Powell e George W. Bush com a existência de "armas de destruição maciça", afigurou-se como uma mentira que os próprios já confirmaram.


As armas biológicas nunca foram encontradas.


A ligação de Saddam com a Al-Qaeda nunca foi provada.


Diga-se em abono da verdade que a Al-Qaeda é uma organização xiita, enquanto que Saddam era sunita.


Em pleno Conselho de Segurança da ONU, Colin Powell, munido de apresentações gráficas, dignas do filme «Minority Report» de Spielberg, defendeu a urgência de uma intervenção militar no Iraque.
Nas infografias apresentou o organigrama da Al-Qaeda e células de produção de armas de destruição maciça. Todas estas informações eram falsas.


Ainda relacionado com a Guerra do Iraque em 2003, o episódio envolvendo a soldado Jessica Lynch.


Supostamente capturada numa emboscada no deserto iraquiano, a soldado Jessica Lynch foi resgatada do hospital onde estava detida como prisioneira de guerra.


Irrompendo pelo hospital iraquiano ao som de explosivos e gritando "go, go, go" os militares americanos filmaram toda a acção hollywoodesca com cameras de raios infravermelhos.


Mas, segundo uma reportagem da BBC, Jessica Lynch terá recebido o melhor tratamento enquanto esteve hospitalizada tendo mesmo direito a enfermeira exclusiva. Enquanto que a versão governamental relatava que Jessica tinha sido baleada e esfaqueada, os relatórios médicos do hospital apenas indicavam fracturas num braço, uma perna e tornozelo deslocado fruto de um acidente de viação.


Pena é que Jessica sofra de uma severa crise de amnésia que não lhe permita reproduzir a emboscada do dia 23 de Março.


Jessica não se recordará porque toda esta operação não passou de um embuste, uma manobra de propaganda militar.



Quando um Estado é capaz de mentir para justificar um objectivo até onde ele poderá ir?


Relativamente ao 11 de Setembro muitas dúvidas subsistem. Atentado organizado por um agressor externo ou uma rebelião interna? O que embateu contra o Pentágono: um Boeing 767 ou um míssil cruzeiro? Porque ruíram as torres gémeas? Será um Estado capaz de se auto flagelar e matar os próprios cidadãos para a consecução dos seus objectivos?


Depois de terem forjado a entrevista com a enfermeira Kuwaitiana, o resgate da soldado Jessica Lynch e as provas sobre a armas de destruição maciça iraquianas quem nos garante que o aparelho de Estado americano não terá feito o mesmo com a gravação em que Bin Laden assume a autoria dos atentados?


O 11 de Setembro legitimou uma guerra, uma guerra contra a Democracia e Direitos Humanos, obrigou os americanos a abrirem mão de parte da sua liberdade em troca de uma maior segurança, reforçou os poderes de Serviços de Investigação e policiamento e do próprio Estado e legitimou cortes no orçamento com custos sociais em nome de duas guerras injustificáveis contra a comunidade muçulmana.

Citando Baptista-Bastos (Jornal de Negócios) "A mentira nunca sustentou o poder por muito tempo". Veremos até quando ela irá durar.


Mike Thompson, Detroit, Michigan, The Detroit Free Press


domingo, 3 de junho de 2007

Madeleine: Jornalismo do Vazio


O que é jornalismo? Que acontecimentos devem ser constituidos notícia?


Entre os valores-notícia basilares para a validação de um acontecimento um deles é comum a todos os teóricos do jornalismo: a novidade.



Sem novidade, sem factor surpresa, sem acontecimentos que extravasem a rotina, sem actualidade, o jornalismo perde todo o seu propósito e razão de existir.



Recuemos até ao dia 3 de Maio de 2007, dia do desaparecimento de Madeleine McCann.



Jornalismo Hollywoodesco


O desaparecimento da pequena Madeleine McCann constituiu aquilo a que Mar de Fontcuberta define como «what-a-story», um acontecimento que faz fervilhar e mobilizar redacções inteiras, um acontecimento não previsto e que constitui uma ruptura com os padrões normais da sociedade ocidental.


Segundo Nélson Traquina «embora o jornalismo inclua muita rotina, o inesperado é o momento mágico e incontornável de qualquer filme de Hollywood».



A notícia criada em volta de Maddie foi um autêntico ícone cinematográfico, digna de um qualquer argumento de Hollywood, construída com base num jogo de palavras com conotações ambivalentes no nosso imaginário.



A pacata Aldeia da Luz, terra de pescadores humildes e tingida pelo azul do mar, vê-se, subitamente, confrontada com um crime sórdido e obscuro. Uma criança inocente e frágil é arrancada aos seus pais, no silêncio da noite, por um psicopata desconhecido. Os pais da criança jantam tranquilamente a metros do local do crime até, minutos depois, se confrontarem com a terrível tragédia. Não há testemunhas, não há pistas ou indícios do raptor.



A narrativa usada para reportar o caso Maddie em tudo foi buscar inspiração à dramaturgia ficcional. Trata-se de um jornalismo centrado nos protagonistas e não na acção, assente no uso de arquétipos e que, através de uma perspectiva maniqueísta, relata o acontecimento como que se de um confronto de forças (bem contra o mal) se tratasse.


O drama da pequena Maddie permite usar a fórmula encontrada por Vladimir Propp nos contos populares: estórias com heróis (Kate e Gerry McCann), lutando por objectos ou objectivos (Madeleine), coadjuvantes (policia portuguesa e britânica, civis anónimos, populares) e oponentes (redes pedófilas internacionais)
Este jogo semiótico que se faz valer da força das palavras para enfatizar o acontecimento/noticia só tem servido para desvirtuar a real função informativa do jornalismo e aproximá-lo do lirismo barroco.


Jornalismo do Directo

Tem sido recorrente no caso Madeleine o uso do directo para fazer o ponto da situação.


Segundo Nélson Traquina «Os membros da comunidade jornalística querem noticias tão quentes quanto possível» de preferência «em primeira mão». «O valor do imediatismo dá primazia, nesta era do audiovisual, ao directo estado puro do imediatismo».


É usual nos meios de comunicação dizer-se que a reportagem é o género nobre do jornalismo. Então porque é que na cobertura do caso Maddie, que tantos jornalistas destacou para o Algarve, se opta insistentemente pelo directo televisivo?


A resposta é: não há nada para reportar. E não havendo nada que mereça uma reportagem é preferível apontar a câmara para o enviado especial e deixá-lo usar a retórica e repetir-se até à exaustão. De resto, quando os directos se centram essencialmente no repórter é sinal de que não há sinais palpáveis de noticias. No fundo, entramos naquilo que Jean Baudrillard apelida de simulacro, em que o jornalismo «finge ter o que não tem» e «em vez de comunicar, esgota-se na encenação da comunicação» e «é cada vez mais invadido por esta espécie de conteúdo fantasma, de transplantação homeopática, de sonho acordado da comunicação».


E nisso o caso Madeleine tem sido paradigmático, no Jornalismo do Não-Acontecimento. Directos que Miguel Sousa Tavares (Expresso, 21 Maio) diz constituírem um «luxo de ter noticias a dizer que não se passou nada e ainda chamar a isso jornalismo» e ainda regressar «três vezes à Praia da Luz para que os enviados especiais façam novo ponto da situação - que é exactamente o mesmo que às 21.15, do que era às 20:40 e do que era às 20:03».


Os directos servem para conferir autenticidade à história e dão, ao espectador, a sensação voyeurista de estar permanentemente em cima do acontecimento, quase tendo acesso privilegiado à informação.


O rapto da menina, o desespero dos pais, as buscas da polícia, a mobilização de familiares e os primeiros suspeitos são, até este momento, os únicos factos sustentáveis, o resto não passou de especulação jornalística.


Agenda Mediática

Os jornalistas, nomeadamente os estrangeiros, estão já a desmobilizar da Praia da Luz devido à escassez de desenvolvimentos.


Tem sido notório o desespero de Jerry e Kate McCann para manter este assunto na Agenda Mediática.


Devidamente assessorado, o Casal McCan tem repartido o seu tempo em «photo-opportunities» e «quoting sentences», fazendo-se acompanhar pelo urso de peluche da filha e organizando missas na Aldeia da Luz, em Fátima e até uma sessão com o Papa de forma a manter o interesse pela história.


Ana Caldeira (Público, 31 Maio) refere que o caso Maddie é um autêntico «case study» sobre «a utilização dos media» e para a «constatação do poder real da comunicação social para manter um qualquer assunto nas agendas mediáticas e até mesmo agindo como um verdadeiro agente de pressão».


Acontece porém que os media vivem de acontecimentos e, por mais forte que o lobby dos McCann consiga ser, a televisão será seduzida por outros acontecimentos que constituam aquilo que o discurso jornalístico realmente pretende: a realidade, a veracidade e, sobretudo, a actualidade.


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