sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Educação: Medo de Mudar


«Só erra quem produz. Mas só produz quem não tem medo de errar. As massas humanas mais perigosas são aquelas em cujas veias foi injectado o veneno do medo. Do medo da mudança».


- Octavio Paz, Escritor (México,1914); Prémio Nobel da Literatura (1990)


Um bom sistema de educação é um pilar fundamental para um Estado de Direito como o é Portugal.

Há anos a fio que ouvimos vozes distintas a clamar por reformas profundas num sistema que diziam ter os dias contados. Entre todos os agentes educativos (Professores, Pais, Escola, Sindicatos, Ministério) era unânime a opinião de que urgia fazer algo a fim de salvar a escola pública do marasmo em que se vinha a afundar.

A educação, à semelhança de outras áreas de intervenção, tem sido mais uma vítima do rotativismo político, da falta de concretização de projectos e do adiamento de reformas profundas que, como sabemos, são geralmente consideradas atentatórias para as classes envolvidas e, concomitantemente, se tornam medidas impopulares. Mudar traz custos políticos e a educação só chegou ao estado em que se encontra por manifesta falta de coragem de todos os executivos que têm passado pelo poleiro nas últimas décadas.

No meio desta estagnação a classe dos professores tornou-se, em geral, uma classe acomodada.

Após formados e cumpridos alguns anos de serviço o objectivo passava a ser a efectivização numa escola (a entrada para os quadros), depois bastaria ao professor atingir determinados anos de serviço e obter créditos em acções de formação para ir subindo de escalão em escalão. Não havia, nestes moldes, nenhum incentivo à melhoria da docência, apenas objectivos temporais que se repercutiriam em contrapartidas financeiras.

Como poderiamos ter bons professores quando era o tempo de serviço a variável que o compensava e não o seu desempenho? Ao professor bastaria dar aulas e não ser efectivamente um bom professor para subir na carreira.

É natural que a classe se sinta preocupada perante uma Ministra da Educação que, arrisco, estará prestes a roubar o epíteto a Margaret Tatcher: Dama de Ferro.

A reforma em curso pretende, nas palavras de José Sócrates tornar as «escolas mais abertas, mais bem organizadas e mais bem dirigidas». Maria de Lurdes Rodrigues tem encetado a reforma de que o sector necessitava sem olhar a popularismos, numa linha política perfeitamente delineada e intransigente para com os críticos.

Avessos a mudança criou-se no seio da classe educativa um clima de alarmismo que só pode ser explicado por falta de segurança relativamente às suas capacidades, habilitações ou desempenho. Que razão terá um bom professor para temer ser avaliado? Não é através da mensurabilidade das várias variáveis que conseguimos detectar quais os problemas do sistema e, a partir daí, canalizar meios e fundos para que os mesmos sejam resolvidos?

Um bom professor será sempre um bom professor independentemente de quem o avalie. E só avaliando poderemos ter a certeza que teremos os melhores (e há muitos) a leccionar, por muito que isso doa a muito professor acomodado que tem parasitado no sistema.

Não sou defensor do principio de que deve haver um tratamento equitativo perante os professores. Não! Há que tratar por igual o que é igual e por diferente aquilo que é diferente. Os bons têm que ter incentivos, os maus têm que ser penalizados, se possível reenquadrado-os noutras tarefas, caso não seja possível, afastado-os dos respectivos cargos.

Imaginemos um mundo sem mecanismos de avaliação de profissionais. Não é legitimo para uma sociedade exigir que somente os melhores profissionais médicos estejam no activo? Que aqueles que inspeccionam os bens alimentares sejam os mais idóneos? Que quem gere as nossas contas bancárias e os nossos planos de aplicação de capitais sejam os mais capazes? Porque não devemos exigir que somente os melhores professores ensinem? Só conseguiremos isso medindo, avaliando.

O problema é mais lato do que a simples questão educacional, funda-se nas raízes judaico-cristãs do Deus protector e nas figuras do Estado paternalista. A maior parte da população habituou-se a ter direitos adquiridos "por que sim" e não através de um sistema meritório. A própria figura do Estado social foi concepcionada para que fosse amparador nas dificuldades e mais benevolente na exigência aos cidadãos. É pois natural que quando é o Estado que passa a exigir contrapartidas aos cidadãos que "caia o Carmo e a Trindade".

No ensino português existe a avaliação dos alunos, existe avaliação dos manuais adoptados, mais recentemente passou a haver avaliação de escolas e de pessoal não docente. Por que não avaliar os professores também?

Há uma especificidade na profissão de professor que justifica esta revolução preconizada pela ministra. Um professor não é só bom por si só mas é-o na dimensão do seu envolvimento com a comunidade educativa, no desempenho dos projectos escolares comuns. Individualidade sim, mas em prol de um colectivo, de um projecto. Só assim poderemos compreender que para a ascenção a professor titular só tenham sido valorizados os últimos sete anos de desempenho dos docentes na execução de projectos escolares.

Avaliação de docentes, maior envolvimento de todos os agentes educativos no processo de avaliação escolar, maior autonomização das escolas na sua gestão o que permitirá potenciar as suas diferenças e mais-valias abandonando os sistemas programáticos rígidos que eram impostos a todas as escolas por igual, fornecer meios às escolas para a melhoria do ensino e, caso isso não se verifique, actuação do Ministério para as punir.

Há na política de Maria de Lurdes Rodrigues uma visão clara e, acrescento, acertada para aquilo que se pretende da Escola Pública.

O Programa "Prós e Contras" de 25 de Fevereiro foi somente a demonstração cabal da falta de substância das críticas dirigidas à Ministra; próprias de quem critica por desconhecimento ou por manifesta resistência à mudança.

Portugal, Portugal de que estás à espera...

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Lisboa: A meter Água

Indonésia, Banda Aceh. Em 2004, ainda em plena quadra natalícia, fomos assolados por uma tragédia de dimensões monstruosas.

Uma deslocação anormal de placas tectónicas no Oceano Índico originou um maremoto que, com a força das águas e o arrastar de sedimentos, se viria a revelar uma das mais mortíferas tragédias naturais da história.


A onda gigante atingiu sete
países. As vítimas directas ascenderam a mais de 200 mil. Mais de 70 mil pessoas desapareceram. O avultado número de vítimas, apesar das dimensões assombrosas do desastre natural, só pode ser interpretado à luz das precárias condições de vida das populações do Sri Lanka, Indonésia, Tailândia, Malásia e Bangladesh, entre outros.

Falamos de países terceiro mundistas, com habitações amontoadas, sem fundações nem estruturas sólidas e geralmente feitas com materiais abundantes na
região: bambu, argila, madeira, chapas de zinco. Só com habitações deste género poderemos explicar o autêntico varrimento ocorrido e a maximização dos efeitos da catástrofe.

Em Fevereiro de 2008 a região de Lisboa não vivenciou a hecatombe de um tsunami mas umas meras horas de chuva foram o suficiente para deixar a região num estado de sítio.

Como foi referido em cima, as consequências de um qualquer incidente têm de ser devidamente contextualizadas.

Vamos por partes.


Portugal viveu dois anos consecutivos um clima de rarefacção da pluviosidade o que se repercute em secas severas e extremas, ou seja, não tem chuvido o suficiente.

Como explicar então as repercussões trágicas que algumas horas de chuva tiveram na região de Lisboa?


Uma breve leitura dos dados sobre os recursos hidridicos nacionais agudizam esta questão.


Em Lisboa, em Outubro de 2007 choveu quase um décimo do que é normal. Em Novembro apenas 60% do normal. Em Dezembro menos 58%. Em Janeiro de 2008 a pluviosidade esteve a 20% do número médio normal. Só neste mês de Fevereiro é que encontramos valores que quase dobram os valores médios de chuva nessa região.

Fonte: INAG

O estado calamitoso em que uma cidade como a de Lisboa ficou após um incremento da pluviosidade apenas pode ser explicado pela gritante falta de planeamento urbano e de ordenamento do território.

Numa cidade em que, pelo menos há mais de meio ano, nem de perto, chove o mínimo razoável só pelas condições deficitárias de escoamento e drenagem de águas, limpeza subterrânea e má ordenação do território urbano poderemos justificar a inundação de habitações, lojas, estradas e aluimentos de terras.

É de facto gritante o planeamento urbano da cidade de Lisboa e ainda se afigura pior nas regiões circundantes, chamadas cidades dormitório.

Apartamentos degradados que se amontoam ainda sem arruamentos e estruturas básicas construídas ou se as há, encontram-se em manifesta degradação.

À Lisboa que se mostra nos postais contrapõe-se uma outra suja, degradada, precária. Autênticos focos de marginalização urbana e social. Esquecidos e abandonados.


Infelizmente após as cheias, como já vem sendo habitual, ao invés de se assumirem culpas verificou-se mais um "jogo da batata quente" entre Governo e Munícipes sobre as responsabilidades na falta de limpeza dos recursos hídricos.

Não nos interessa de quem é a culpa, o que sabemos é que o poder político anda a meter muita água, muita mesmo.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

No Smoke


Alguma vez pensou que a sua saúde pode ser uma mais valia económica?

É certo que já lá vão os tempos da Idade Média em que as epidemias eram a forma de regular demograficamente as sociedades e equilibrar a equação entre recursos e população. Apesar de distante e inusitada ainda na era em que nos encontramos a saúde das populações pode ser visto como um principio regulador.

Tomemos o tabaco como exemplo.

O que leva um Estado a lançar, de um momento para o outro, uma autêntica "caça às bruxas" contra os fumadores?

Sendo um dos vicios que, através da tributação, mais lucros trás para o Estado como explicar esta série de medidas restritivas?

Quem nunca ouviu falar na máxima clássica "Mente sana en cuerpo sano"? A lógica contemporânea impregnada pelos conceitos do marketing e da economia levou até à dimensão laboral as exigências de uma sociedade saudável.

As variáveis são simples. Segundo este principio um funcionário que preze pela sua saúde será, à partida, mais eficaz que os restantes, terá menos pausas durante o horário de expediente já para não falar da sua durabilidade.

No fundo estas alterações da lei do tabaco fundam-se na crise do modelo Estado Social. O provimento de serviços públicos nas sociedades democráticas ocidentais começou a entrar em crise, estranhe-se, devido às melhorias das condições de vida e dos avanços na medicina.

Quero com isto dizer que o modelo contributivo começou a entrar em crise no momento em que a esperança média de vida aumentou e os rendimentos da população activa começaram a afigurar-se diminutos face aos custos crescentes com a população não-activa. Caso as coisas se mantivessem conforme estavam o sistema da segurança social iria falir num futuro próximo.

Como relacionar isto com a nova lei do tabaco?

Simples.

A lei do tabaco deve ser vista como uma de várias medidas faseadas. A primeira foi o aumento da idade de reforma para os 65 como garantia de mais contribuições por parte da população activa durante mais anos. As restantes medidas incidem sobre vários dominios que vão desde a alimentação à prática desportiva.

O combate à fast-food e ao consumo de álcool e o incentivo à prática desportiva através da aplicação da taxa mínima de IVA em ginásios representam medidas que têm como fim melhorar a saúde dos cidadãos. Um cidadão que cuide da sua saúde terá uma durabilidade maior, logo mais anos contributivos, logo será um garante para o equilibrio das finanças públicas.

A nova lei do tabaco denota uma aproximação entre a Economia quantitativa e a Sociologia comportamental ao analisar os fenómenos contemporâneos à luz do pensamento económico. No fundo representa o regresso da ciência económica às origens, ou seja, a aplicação dos estudos de Adam Smith enquanto influência do capitalismo no comportamento humano.

ps - Se puder deixe mesmo de fumar. Todos ganham com isso

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Ouro sobre Azul



«É uma liga sem interesse (..) Mesmo que o FC Porto perca pontos, pelo que se tem visto, Benfica e Sporting vão perder mais».

Estas foram as declarações de Manuel José, treinador do Al-Ahly, à chegada a Lisboa para um período de férias no início de Janeiro.

Apesar de arrebatador de troféus no Egipto não se reconhece a Manuel José nenhum poder premunitório. De facto perante a realidade da liga portuguesa não são necessários quaiquer dotes metafísicos para adivinhar o seu desfecho.

Tem sido um filme muito visto. Muito Porto para pouco Benfica e Sporting.

Mas perante uma metragem cada vez mais longa, realizadores de águias e leões insistem nas cenas que estão condenadas ao insucesso.

A um Futebol Clube do Porto de estrutura consolidada opõem-se os dois de Lisboa cada vez mais à deriva.

O mais estranho desta Liga é que o Porto limita-se a jogar o "quanto baste" para fazer face ao constante perdulário pontual de Benfica e Sporting. Trata-se de uma hegemonia de uma gestão quase irrepreensível que se vai repercutindo nos relvados.

Há anos, arriscava mesmo décadas, que o Futebol Clube do Porto ganha campeonatos não em campo mas no escritório, gerindo a estrutura do futebol, mantendo a estabilidade dos quadros e a filosofia do clube intacta. Pelo contrário Benfica e Sporting denotam graves lacunas, insistindo numa gestão a curto prazo, mudando de treinador ao sabor dos resultados, contratando remessas de jogadores de qualidade duvidosa.

A época 2007/2008 é apenas um exemplo dessa incapacidade dos grandes de Lisboa denotando a micro visão do planeamento desportivo.

Enquanto que o Futebol Clube do Porto cria os fundamentos para a época que se avizinha renovando com Quaresma, Raúl Meireles e com outros jogadores basilares, Benfica e Sporting são recorrentes na contratação de "tapa-buracos", jogadores que vêm para remendar insuficiências e que raramente se conseguem afirmar em tempo útil.

Um exemplo gritante daquilo a que chamo gestão danosa é o caso concreto de Bergessio um jogador comprado pelo Benfica em Junho por 4 milhões de euros, que fez no máximo três jogos pelo Benfica e que é vendido, sete meses depois, por menos de 2 milhões de euros.

Pior do que as exibições dos grandes de Lisboa começa a ser dramático o sentimento de impunidade que transparece dos dirigentes, treinadores, jogadores e o discurso quase conformista para com os maus resultados.

Inoperância, incapacidade ou conformação?

Não admira que o Porto tenha sucesso na Europa, não tem que suar em Portugal para ser primeiro.

Como vem a ser dito nos meandro do Futebol, qualquer dia o Porto começa a jogar apenas na segunda volta do campeonato.