sexta-feira, 21 de março de 2008

Educação: Carolina Michaëlis


"Dá-me o telemóvel!"

Esta foi certamente a frase mais ouvida nas últimas horas.


A cena só agora foi vista mas certamente não será caso isolado nem, contudo, a situação mais gravosa a suceder nas escolas nacionais.

Mas muito para lá dos problemas de indisciplina e bullying nas escolas este caso levanta outra questão muito curiosa: o papel das novas tecnologias de informação.

Com o desenvolvimento das nanotecnologias e a democratização dos preços ser notícia está ao alcance de qualquer um de nós. Assim sendo altera-se o fluxo de comunicação que tem vindo tendencialmente a tornar-se menos unidireccional para passarmos nós, cidadãos, a ser emissores das notícias. É de facto um marco histórico em todo o processo de comunicação uma vez que a comunicação deixa de ser feita do topo para as bases, mas das bases para o topo. Uma autêntica reinversão.

Nenhum de nós deverá iludir-se achando que esta situação no liceu Michaelis é do pior que sucede nas salas de aulas mas é a sua visualização que nos choca.

Um fenómeno existente mas não visualizado não tem impacto, um fenómeno registado ganha proporções alarmantes. É o que se sucede com o Darfur devido à proibição de entrada de equipas de filmagem no terreno. A percepção das dimensões da catástrofe é ignorada na medida em que o que não é filmado não existe. É a dura lógica do jornalismo, essencialmente do televisivo.

É este o poder desta nova cambiante jornalística, o cidadão repórter. A capacidade de sermos nós, através duma microcamera, os propulsores das notícias mesmo antes dos órgãos de comunicação social oficiais. Aconteceu nos atentados de Londres, no massacre da Universidade da Virgínia, no cumprimento da pena de morte de Saddam.

Um estudante ignóbil do secundário, em atitude de chacota perante o questionar de autoridade torna-se o operador de camera com mais tempo de antena em prime-time, leva a reuniões de emergência dos órgãos que gerem a educação em Portugal e a montante certamente que será responsável pela alteração nas políticas e reforço da autoridade de escola e professores. O novo jornalismo do cidadão confere poder até mesmo a estes miúdos de 15/16 anos de causar impacto e provocar rupturas fracturantes na gestão do País.

É de facto notório o poder da tecnologia.

Sobre o caso em concreto pouco há a dizer. Cingindo-me somente a uma palavra: vergonhoso.

Não serão os professores os culpados desta situação.

Mais do que uma reflexão no seio da comunidade escolar este caso deverá suscitar um profundo exame de consciência nas famílias, a meu ver, as principais responsáveis pela educação dos filhos.

Sabendo-se da importância dos modelos familiares para a reprodução de comportamentos por parte da criança e que é nos primeiros anos que se constrói a figura de autoridade e de delimitação das liberdades da criança tornam-se perceptíveis as lacunas na educação familiar desta jovem que desrespeita a figura de um superior.

Não devemos imputar todas as responsabilidades aos professores nem podemos exigir à instituição escolar que substitua país demissionários que fizeram da escola um depósito ocupacional dos seus filhos.

Como diz o ditado «Filho és pai serás, como fizeres assim acharás»

sexta-feira, 14 de março de 2008

Camacho: Salir sin ganar


Em Agosto de 2007 escrevi aqui mesmo «Camacho não poderá pedir tempo, terá de apresentar resultados».

Sete meses volvidos os factos validaram esta tese.

Camacho regressou ao Benfica, para gáudio dos seus adeptos, como um Sebastianista em manhã de nevoeiro.

As "ganas" que o treinador murciano conseguiu imprimir na equipa na sua primeira passagem pelo clube da luz entre 2002/2003 e 2003/2004 seriam, na opinião de muitos, o tónico de que a equipa necessitava depois de um Benfica formatado à imagem de Fernando Santos, vistoso mas inconsequente nos momentos chave.

Camacho chegou com um discurso ambicioso e claro. O objectivo passava por ser campeão.

É certo que o técnico espanhol poderia não ter um plantel construído à sua imagem mas, ao contrário de Trapattoni, não teve o mérito de se resignar com as peças de que dispunha e de as explorar ao limite das suas capacidades.

Nem só de vitórias vive um clube como o Benfica, há a "chama imensa" que a voz de Luís Piçarra entoa e com Camacho até essa chama foi extinta.

A imensidão do Benfica que foi a força propulsora para Camacho mas foi também a sua força opressora quando os resultados não surgiram. É a muito citada mas pouco explicada mística.

No Benfica, ao deficit colectivo que tem sido uma constante nos últimos anos, pautado a espaços por talentos individuais decisórios, juntou-se uma inércia, um desacreditar que perpassou dos relvados para o público.

Camacho passou a ser vítima do seu discurso agressivo e das terapias de choque que foi infligindo ao criticar a atitude da equipa, a falta de mentalidade, a banalidade de alguns jogadores não condescendes, nas suas palavras, com a grandeza do clube.

Á medida que passou a justificar os desaires monossilabicamente pela falta de atitude dos jogadores Camacho distanciou-se da equipa, deixou de ser a voz de comando dentro do balneário. O Benfica, enquanto equipa de futebol, passou de individualidades num colectivo para um colectivo resumido às suas individualidades.

O Benfica deixou de ser uma estrutura coesa para passar a ser um conjunto de jogadores estanques, com margem de manobra reduzida a um esquema táctico rígido que penalizava os jogadores pois não se adequava às suas características. Camacho tentou adaptar os jogadores ao seu modelo de jogo e não adaptar o modelo de jogo aos jogadores de que dispunha. Perdeu por isso.

Quando uma equipa não joga como colectivo, com um modelo de jogo perfeitamente delineado, cada jogador sofre as consequências dessa desorganização.

Deixamos um Luís Filipe que tem dificuldades a defender à mercê dos avançados porque não se joga com extremos que fechem a ala direita, obriga-se o Rui Costa que devia ser poupado jogando numa parcela de terreno reduzida a fazer sprints durante 90 minutos, desaproveita-se o talento de um Di Maria porque o resto da equipa não abre linhas de passe e vê-se obrigado a insistir em acções individuais, coloca-se um Maxi Pereira a deambular em campo das alas para o meio campo, para o ataque, desaproveita-se um Makukula que é um jogador de área porque não há extremos para cruzar.

Uma série de erros que foram minando a equipa vítima de uma incompetência atroz do seu treinador.


De uma forma hábil Camacho soube sair novamente pela porta grande. Aproveitou (mais) um empate caseiro frente ao último classificado, nas vésperas da segunda mão da Taça UEFA (seria a primeira eliminatória a sério que perderia) para justificar que a sua capacidade para motivar os jogadores tinha terminado. Passou de incompetente para homem sensato que afinal colocou o clube à frente dos seus interesses pessoais.

Não escamoteando alguns aspectos negativos por parte da direcção do Benfica, sobretudo na falta de definição de um modelo e política desportiva Camacho é o grande responsável pelos desaires desta época.

Teimoso, resignado, incompetente.


Sin ganas no ganas nada.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Portugal: Gangster's Paradise


Como é que costuma programar o seu destino de férias?


Antecipo-me ao leitor na resposta. Determina algumas hipóteses na razão das suas economias, demarca as suas preferências entre praia, campo, montanha ou neve e verifica os atractivos dos diferentes locais (gastronomia, oferta cultural, património cultural).

O mesmo ocorre no mundo do crime embora os propósitos sejam absolutamente inversos. Se sou criminoso manda a lógica que procure um destino com com desorganização no combate ao banditismo, com forças de segurança maleáveis ou impreparadas para novas realidades, com uma justiça burocrática, inerte e inconsequente.

Estes atributos constam no roteiro turístico paralelo e têm atraído a este país, à beira mar plantado, gente que não interessa a ninguém.

Esta não é uma mensagem xenófoba mas é natural que com as vagas de imigração, vindas aquando das grandes obras públicas, Portugal tenha acolhido não só gente séria mas também pessoas com uma cultura de violência oriundas de zonas Europeias em clivagem étnica há décadas.

Não há estatística capaz de refutar esta afirmação: o crime em Portugal está-se a tornar mais violento, mais organizado, mais militarizado.

Passámos, como Miguel Sousa Tavares referiu, de crimes marcadamente passionais feitos nos moldes arcaicos recorrendo à ferramenta agrícola e à arma de caça para crimes premeditados, de associação criminosa, com recurso a armas de fogo, extorsão por intermédio de sequestro, assaltos à luz do dia instituições públicas e privadas, homicídios em série.

Apesar desta vaga de crimes que assolaram o país nos últimos dias o Ministério da Administração (AI) preferiu atacar a criminalidade não com mais meios mas com números. Antecipando aquilo que são as conclusões do relatório anual da AI soubemos que a criminalidade violenta desceu 10% em 2007.

Nem de propósito, esta semana, o professor João Lobo Antunes levantou uma citação que encaixa na perfeição nesta autêntica maquilhagem numérica. "Nem tudo que pode ser contado conta e nem tudo que conta por ser contado".

Sobre isto duas coisas a dizer. Primeiro tem havido, por parte do Governo, uma adulteração nos critérios que permitem destrinçar aquilo que são crimes normais ou violentos.

Por exemplo, se vir a sua habitação visitada pelo amigo do alheio saiba que só se lhe roubarem bens acima de 2500€ é que este crime poderá constar nas estatísticas enquanto crime violento. É com manobras destas que se conseguem emagrecer os números. Não há menos crimes violentos, há é mínimos "olímpicos" para os larápios quebrarem.

No crime só é mensurável aquilo que é apreendido ou declarado.

Assim como no jornalismo televisivo só existe aquilo que é filmado, no crime só existe aquilo que é reportado às autoridades. Como é possível quantificar o tráfico de armas? O tráfico de droga? Os assaltos não declarados? Mesmo a criminalidade tenham efectivamente diminuído o que preocupa a população portuguesa não é o número de ocorrências, mas sim a violência utilizada nos mesmos. Será legitimo congratularmo-nos com operações de trânsito onde ocorreram menos acidentes mas morreram mais pessoas?

Porque haveremos de ficar tranquilos com relatórios que nos dizem que o crime diminuiu quando verificamos na imprensa que se matam pessoas inocentes em plena luz do dia, se planeiam assassinios em série como contra-resposta.

A verdade é que a descrença na eficácia das forças policiais é tamanha que arrisco a dizer que muita gente já nem faz a participação de muitos crimes.

Estamos a pagar finalmente as consequências da suburbanização desenfreada, de populações abandonadas à sua sorte, de comunidades multiraciais que não integradas, de um certo facilistismo no processo de legalização de emigrantes residentes que já não conseguimos extraditar, da nossa situação geográfica decisiva enquanto entreposto entre África, Brasil e America Latina.

Futuramente temo ser o novo código do processo penal a piorar ainda mais a situação da segurança nacional. A justiça teve mais olhos do que barriga. Criou um código mais protector para os criminosos, determinou o flagrante como condição para a detenção sabendo que tem meios policiais escassos e ruas pouco patrulhadas, definiu um limite máximo para a prisão preventiva não garantindo maior celeridade no desenvolvimento dos processos. São erros isolados mas que em nada ajudam a garantir a segurança dos cidadãos.

Ainda somos um país de brandos costumes mas até quando?

Fosse Camões vivo certamente que ao defrontar-se com a actualidade do nosso país as primeiras estrofes dos Lusíadas passariam a constar nestes termos.

As armas e os tiros disparados
Que na ocidental praia lusitana
Com crimes jamais avistados
Passaram para além do razoável