sábado, 22 de novembro de 2008

Claques: Bodes Expiatórios


No mundo torpe do Futebol as claques, são muitas vezes, o bode expiatório ideal.

Esta semana assistimos a mais um capitulo de uma série que envolve as claques dos principais clubes nacionais.

Este artigo não serve para escamotear o que aconteceu, acontece e acontecerá sempre, apenas procura explicar o fenómeno das claques à luz do fenónemo desportivo.

Claques não são viveiros de criminosos, são apenas microcosmos da própria sociedade, no que ela tem de positivo e no que tem de negativo, no que ela tem de filantrópica, no que ela tem de perversa.

As claques, que são apenas o elemento que mais vivacidade e colorido traz aos recintos desportivos, têm um destaque ínfimo nos órgãos de comunicação. Uma segregação que toma a parte pelo todo, que apenas exalta o que de mau aconteceu, as agressões, os ânimos exaltados, apenas focando elementos geradores de conflitos, mais propícios ao «show-off» preterindo os adeptos ordeiros que dignificam a claque e o clube em si. Uma marginalização que perpassa para a opinião pública e que torna estes adeptos menos propensos à integração.

As televisões que possuem os direitos de transmissão dos jogos, preenchem o apogeu das performances das claques (falo na exibição de panos, tarjas, fumos) com spots publicitários, ignorando os grandes espectáculos visuais que estes grupos proporcionam. Por outro lado, ao mais pequeno distúrbio, as câmaras são focadas incessantemente nas curvas em prejuízo da visualização do próprio jogo.

Nas claques encontramos um pouco de tudo, do desempregado ao trabalhador bem remunerado, do católico ao anticristo, do jurista ao anarquista, do mulherengo sem emenda, ao respeitoso pai de família, do correio de droga, ao escuteiro. As claques são, por isso, autênticos casos de estudo para os sociólogos mais interessados. Mas o que terão as claques de especial para congregarem pessoas tão distintas entre si?

Acima de tudo essas pessoas não estão unidas por interesses individuais, estão ali por amor a um clube, deixam de ter rosto, são apenas uma voz de incentivo. Para os jovens que a sociedade marginaliza, não lhes dando oportunidades de singrar na vida, discriminando-os pela cor da pele ou pelas origens humildes as claques funcionam como importante membro de integração, possivelmente com maior relevância do que Escola ou Família alguma vez terão.

Estar noventa minutos rodeado de pessoas que desconhecemos, mas que têm os mesmos objectivos, estar imbuído num espírito festivo, de movimentos sincronizados e vozes vibrantes constitui, para estes jovens, talvez um dos poucos momentos de realização pessoal que têm. Um fenómeno que, para os que não estão familiarizados com os universos das claques, poderemos ilustrar com o "Flower Power" que o movimento "Hippie" da década de 60 produziu.

Poderemos estar a falar de comportamentos desviantes mas eles são explicados em nome de uma utopia que constitui uma força motriz.

Num mundo de corrupção e tráfico de influência como o é o Futebol agentes desportivos instrumentalizam estes grupos. Tornam-se os seus maiores aliados quando necessitam, tornam-nos os seus exércitos de defesa pessoal, mas são os primeiros a atacá-los quando algo corre mal, usando-as geralmente como bodes expiatórios camuflando os desaires das equipas ou a gestão danosa dos clubes.

Quando muitos deles vêm a público condenar acções das claques, já antes acicataram o ambiente incitando a um clima de hostilidade e de suspeições sobre outros intervenientes. No dia em que os intervenientes que ocupam o topo da hierarquia sejam exemplarmente punidos teremos um efeito de pacificação generalizado nos patamares inferiores.

Como disse não poderemos tomar a parte pelo todo. Por termos noticias que envolvem polícias em esquemas de tráfico de droga isso não torna as polícias, no seu geral, corruptas. Por serem descobertos episódios de pedofilia com membros da igreja isso não faz da Igreja Católica um antro pecaminoso.

Claques não desvirtuam pessoas com princípios mas podem acirrar aqueles que os não tenham.

Se procurarmos entender o dissemelhante e tivermos espirito de abertura mais semelhante ele se tornará.

sábado, 15 de novembro de 2008

Zé Polvinho


A política tal qual um Polvo.

Não é necessário ser-se um leitor atento para, olhando para a política nacional, se reconheça uma intensa teia de relações permiscuas entre órgãos governativos e diferentes poderes.

Como se de um Polvo se tratasse politica e poder económico alargam os seus tentáculos, contornam a legislação e estabelecem um esquema de favorecimentos mútuos que escapa às malhas da Justiça.

Aquilo que se verifica em Portugal é uma absorção, por parte do sector privado, dos grandes cérebros da Gestão, Economia, Engenharias e Advocacia, que são altamente remunerados, com uma carreira estável e independente de ciclos politico-partidários. Pelo contrário quem governa, terá de o fazer um autêntico jogo de expectativas, mediado através da comunicação social (tendencialmente contra-poder) o que se repercute em mandatos curtos que dificilmente excedem duas legislaturas e redunda no descrédito público das figuras governativas.

Manda a lógica que qualquer profissional que se preze, principalmente em conjunturas económicas instáveis, zela pele estabilidade na sua carreira.

Assim sendo enveredar pela carreira politica afigura-se um exercício desgastante e pouco apetecível quando comparado com o auspicioso sector privado. Assistimos então à chegada ao poder de uma segunda linha de dirigentes políticos, mal remunerados e por isso permeavéis a influências.

Representam uma classe politica incapaz de chegar aos compensatórios cargos privados mas que a todo o custo aspira lá chegar e o faz através de concessões múltiplas.


Se olharmos para a proveniência e passado profissional de muitos políticos, que na última vintena de anos, têm passado pela Assembleia da Republica verificamos aquilo que se poderá apelidar de «conflitualidade de poderes».

Falo pois de Advogados, Juristas e profissionais de outros ramos pertencentes a grandes grupos e sociedades que, pela natureza do seu cargo, deveriam zelar pelo bem público mas que, por serem representantes em Portugal de multinacionais, produtos ou marcas, acabam por, de uma forma ardilosa. alterar pontualmente a constituição de forma e aprovar negócios nos quais têm interesse atendível.

Iberdrola, BCP, Mota-Engil, Portucale, Bragaparques, Casino Lisboa, BPN são tantos os exemplos de relações dúbias entre política e poder económico.

Tal como afirma Saldanha Sanches «A corrupção em Portugal é particularmente paralisadora, uma vez que apenas procura obter o máximo do Estado»

Não auguro nenhuma melhoria neste campo nos próximos anos.

Com a crise capitalista que enfrentamos e a necessidade de retoma economica veremos um Estado assegurar uma dupla função. Em primeiro lugar um papel mais interventivo do Estado enquanto agente económico, abandonando a postura neutral em relação ao mercado, assegurando maior inventimento , injectando capital e sendo estimulador económico principalmente através de grandes obras públicas. Por outro lado, teremos um Estado mais manietado perante os custos crescentes com a vertente social (desemprego, saúde).

As impediosas metas económicas tornarão o Governo, seja ele qual for, ávido a avultados investimentos de forma a evitar recessões. Isto significará certamente alimentar as indústrias de base do País, sobretudo a construção cívil.

Aproximam-se tempos díficeis mas certamente não faltarão obras faraónicas: pontes, aeroportos, TGV.


Governar cada vez menos significa adoptar políticas mas sim gerir interesses.


sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Obama: Ventos de Mudança


Uma força avassaladora.


Barack Hussein Obama desafiou os incrédulos, superou os renitentes, destronou os cépticos.

Se recuássemos quatro anos atrás e o jovem Senador do Illinois manifestasse então o desejo de se tornar Presidente dos EUA as suas declarações seriam alvo de gracejo. Como poderia um cidadão negro, um político inexperiente, um homem não oriundo das dinastias politicas americanas sequer aspirar a tal cargo?

Não só o público em geral soltaria uma gargalhada como também Obama, no seu âmago, largaria um sorriso como que pedindo desculpa por tamanha ousadia.

Em 2008, vemos Obama irromper pela bruma da noite, ladeado por estandartes simétricos "Stars and Stripes", os holofotes estão sobre ele, a multidão ovaciona-o numa euforia tão genuina como arrebatadora. Será este momento real ou apenas mais uma das demonstrações do poder dos simulacros hollywoodescos? Obama de pronto nos dissipa as dúvidas.

«Se existe alguém quem ainda duvida que a América é um sítio onde todas as coisas são possíveis (..) que ainda questiona o poder da Democracia. Tem hoje, aqui, a resposta»

Barack Obama tem razão.

Não foi só uma grande vitória para os Democratas, foi uma vitória para a Democracia global, uma vitória que deveria ser vista por todos nós como um tónico para a mudança.

Não sei explicar o quê, mas há em Obama algo de magnetizador, uma vibrante energia positiva que só encontramos nos mais carismáticos líderes da história da humanidade, algo que perpassa nas suas palavras mas que as transcende.

Algo que mobilizou, como nunca antes na história dos EUA, os cidadãos para as mesas de voto, algo que os fez acreditar na importância da participação cívica e na importância de cada voto singular na mudança de rumo do país, algo que devolveu aos jovens a vontade de ter expressão pública, algo que, numa conjuntura de crise, reuniu ricos e pobres, brancos e negros, novos e velhos,autóctones e imigrantes, católicos e islâmicos na convicção de que a «sua voz poderia ser a diferença».

É este o poder da verdadeira Democracia, unir na diferença.


Um discurso irrepreensível, sem a efusividade que muitos esperariam, mas à inércia postural Obama contrapôs uma cadência rítmica, palavras incisivas ditas com a profundidade de quem quer provocar rupturas.

Obama recordou que nunca foi o candidato provável, que a sua campanha se iniciou com poucos recursos e donativos, que cresceu em razão proporcional à vontade de mudança de cidadãos anónimos, homens e mulheres que viram nele o epicentro de toda a mudança. Alertou para os desafios que se avizinham, propôs reconstruir a América «bloco-a-bloco», lançou o repto à união e ao envolvimento dos cidadãos nesse processo, não cidadãos enquanto indivíduos, mas sim enquanto massas unidas capazes de debelar as feridas profundas causadas por oito anos trágicos.

Num discurso temporalmente tripartido Obama lembrou o passado, acentuou as dificuldades presentes mas remeteu para o futuro uma palavra de esperança, a retoma do sonho americano.

Mais do que uma vitória sem precedentes a história de Obama é a concretização do espírito de missão, do desejo de ir mais além, do desafiar de dogmas, convenções e preconceitos, um poder que está em todos nós e que depende do nosso espírito de iniciativa para vingar.

Obama tem condições para se tornar num dos mais marcantes líderes políticos da história, as suas ideias são inovadoras, o seu discurso optimista, a sua postura humilde.


A história de Obama extravasa o contexto político, é bem mais do que isso, uma lição que nos faz acreditar que podemos mudar o rumo dos acontecimentos mesmo quando ninguém nos dá crédito ou não nos vaticina sorte.

As mudanças afinal começam e acabam em nós mesmos, basta acreditarmos. Obama acreditou e faz-nos acreditar.


Tal como Obama proferiu vezes sem conta «Sim nós podemos!»

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Tragédia Bush


Um erro de casting.

Numa alusão à mitologia grega poderemos estabelecer uma analogia entre George W. Bush e a figura de Ícaro.

Ícaro era filho de Dédalo, um dos homens mais criativos e de maior engenho de Atenas. Em comum Pai e filho tinham o anseio da superação, juntos criariam um par de asas tão perfeitas como as das aves, capazes de catapultar o homem para vôos mais altos. Coube a Ícaro testar a invenção do seu Pai, com a ajuda de alguns fios e de cera Dédalo fixou as asas ao corpo do seu filho. Não deixou porém de o advertir, Ícaro não poderia nem voar muito baixo porque o mar molharia as asas nem muito alto porque o Sol derreteria as junções feitas em cera.

Tomado pela sensação de liberdade e omnipotência Ícaro ignorou os conselhos do seu Pai, inspirado pela luz magnetizadora do Sol voou no seu encalço. Acabou por perder a vida despenhando-se no fundo do mar.

Troquemos o nome de Dédalo por George Herbert Bush, o de Ícaro por George W. Bush, as asas pela presidência dos Estados Unidos e teremos uma história de paralelismo perfeito.

Tal como na politica, também na vida George W. Bush lutou pela definição de si mesmo nunca conseguindo afastar a sombra da influência do seu pai; um magistério de influência do qual nunca se conseguiu distanciar desde a adolescência e que se repercutiu em muitas das suas decisões politicas.

O carisma do seu Pai foi sempre para Bush uma força opressora e inibidora do seu próprio desenvolvimento e crescimento emocional.

A missão de se emancipar segundo cânones paternais obrigariam um jovem estudante mediano, intelectualmente preguiçoso a superar-se. Não foram pois de estranhar as constantes crises de identidade durante o seu trajecto de vida. Bush desertou o exército de forma a fugir à guerra do Vietname, teve problemas com álcool e drogas, geriu de forma danosa as empresas petrolíferas da própria família.

Desenganem-se aqueles que pensam que o pior inimigo de Bush foi Bin Laden ou mesmo Saddam Hussein foi-o sim a sua interioridade, o desejo permanente de se emancipar politicamente em relação ao seu pai.

Um estudo do pai da psicanálise permite-nos compreender algumas das tomadas de decisão que Bush teve ao longo dos seus dois mandatos.

Em 1966, Sigmund Freud e William Bullitt elaboraram um estudo de avaliação psicológica do 28º Presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson. Apesar dos mais de quarenta anos que separam esse estudo da actualidade há nele algo que assenta que nem uma luva na personalidade e no percurso de vida de George Bush, uma só citação a ligar as duas histórias de vida.

«Quando comparamos a força do homem com a magnitude da tarefa a que tinha metido ombros essa paixão é de tal forma avassaladora que se sobrepõe à realidade»

É público que George Bush foi o presidente dos EUA com o QI mais baixo mas foi sobretudo a sua fragilidade emocional que precipitaram o seu colapso. De forma a suprir as suas próprias limitações Bush rodeou-se de um circulo que rapidamente deixou de ser apenas um grupo de conselheiros para integrarem o seu circulo mais intimo: Cheney, Condoleeza Rice, Karl Rove, Collin Powell.

Após ter revelado dificuldades enquanto governador do Texas, Bush apenas se inteirou de politica internacional depois dos 40 anos ao ponto de desconhecer se a Alemanha integrava a NATO (pergunta feita a P.Wolfowitz em 1999), onde ficava o Paquistão, o que eram talibãs e mesmo de ter chamado aos naturais do Kosovo «kosovarianos».

Estas notórias dificuldades de George W. Bush ajudam a explicar que a pasta das relações internacionais tenha sido delegada em Powell, num primeiro mandato e em Rice, no segundo.

Bem aconselhado ou não aquilo que sabemos é que o mundo mudou após oito anos de Governação Bush. Vivemos num espaço marcado pela instabilidade tanto económica com em clivagem civilizacional.

Com a América ferida no seu âmago por atentados terroristas de contornos, no mínimo duvidosos, George Bush encetou uma autêntica caça ao Homem (Bin Laden) que rapidamente se alastrou a toda a comunidade árabe. Ao escolher um alvo de pele escura, vestido com turbante e de longas barbas, Bush declarou guerra a uma sinédoque de toda a civilização árabe, ,uma poderossima guerra psicológica discriminatória.

Embuído no seu espírito de democratização do Mundo George W. Bush invadiu o Afeganistão no encalço de Bin Laden. Bin Laden continua por localizar, o Afeganistão por democratizar.

Em 2003 a administração Bush apontou baterias para o Iraque, mais do que a geopolítica ou a ameaça por parte de Saddam de armas de destruição massiva o Iraque foi uma questão pessoal para a família Bush, uma meta decisiva para, pela primeira vez Bush exorcizar os seus próprios fantasmas de incompetência politica e se demarcar do seu pai.

À luz do que sabemos hoje será consensual afirmar que para lá dos objectivos económicos (é a segunda maior reserva de petróleo do Mundo) o Iraque foi invadido para que a família de Bush fosse vingada. Completando a missão que o Pai tinha deixado a meio no inicio dos anos 90 e derrubando Saddam Bush teria a sua primeira grande vitória política.

As consequências da governação Bush são desastrosas.

As politicas da sua administração reduziram a liberdade dos cidadãos em prol da sua segurança, hoje é possível prender sem mandado de captura, é possível deter por tempo indeterminado, sem respeito pelas convenções de Genébra, hoje as nossas comunicações são mais vigiadas, sofremos as consequências ambientais por Bush ter recusado seguir directrizes ambientais do tratado de Quioto, vivemos com mais dificuldades porque a tensão bélica causou instabilidade nos mercados energético, financeiro, comercial, capitalista.

Bush ascendeu a presidente em 2000 com menos votos que o candidato democrata Al Gore mas com mais delegados eleitos no colégio eleitoral. A sua vitória não foi uma vitória democrática mas uma criminosa campanha urdida num bastião da família Bush onde a recontagem dos votos no Estado da Flórida (administrada por um primo seu) foi decisiva.

Bush saboreou ao longo dos mandatos um decréscimo na sua popularidade (a mais baixa de sempre na historia dos presidentes) e tornou-se um presidente em descrédito numa América que perdeu o seu papel hegemónico a nível politico, económico e diplomático.

Tal como Ícaro Bush almejou voar até ao Sol; acabou por se afundar nas profundas águas do descrédito.

Este artigo pode também ser lido no Portal PTGate

sábado, 1 de novembro de 2008

Crise: Hoje, Ontem, Amanhã

Para que haja um futuro amanhã temos hoje que resolver o futuro de ontem!

A crise financeira, tema de que tanto se tem falado “um pouco” por todo o mundo… Uma crise que até já foi comparada pelo Governador do BCE como de proporções idênticas àquela que a Europa sofreu no pós Segunda Guerra Mundial. Uma crise que foi criada pelo mundo financeiro que, ao longo da última década, exponencializou os seus lucros de uma forma absolutamente insustentável enriquecendo à custa de um sistema canibal de especulação e crédito – crédito habitação, crédito ao consumo, crédito ao crédito e crédito ao crédito para crédito…

Diz-se agora que o subprime não foi uma crise, mas antes o sintoma de uma crise que se avizinhava e a própria crise dos combustíveis parece ter perdido relevância (excepto para todos os que com ela perderam dinheiro nos seus investimentos). Hoje o problema de liquidez entre os bancos piorou, o dinheiro ficou mais caro, os investimentos retraíram com receio desta conjuntura de incerteza, as bolsas ressentiram-se profundamente revelando quedas de proporções avassaladoras, o sistema bancário entrou em colapso e muitas pessoas iniciaram uma corrida aos balcões dos seus bancos com medo de perder o seu dinheiro.

Observámos também nas últimas semanas as primeiras reacções a esta crise a nível mundial. Tivemos um corte das taxas de juro pelo BCE, FED e Reino Unido em 0,5 pontos percentuais (…) e agora os governos tornaram-se fiadores dos bancos criando uma almofada de 20.000Meur, o que tal como o Ricardo Araújo Pereira evidência na sua crónica semanal na revista Visão cria um interessante sistema em que “A troco de apenas algum dinheiro, os bancos emprestam-nos o nosso próprio dinheiro para que possamos fazer com ele o que quisermos.”

É de facto irónico que numa crise com esta dimensão, os primeiros a quem tenhamos que deitar a mão sejam os principais responsáveis pela própria crise e o sector que na última década mais cresceu com lucros cujos valores podem apenas ser classificados pelo comum mortal como absolutamente pornográficos.

No meio de tudo isto certo será que 2008 entra para a história como um ano negro na economia mundial, mas será só isso?

O primeiro-ministro britânico Gordon Brown no seu artigo de opinião no Washington Post fala em aproveitar esta crise para “construiu um mundo novo”. E em sintonia com ele penso que de facto 2008 não será apenas o ano da maior crise económica mundial conhecida desde a Segunda Guerra Mundial. De facto esta será o ano em que economia muda uma vez mais o mundo.

Se pensarmos mais uma vez no pós-Segunda Guerra Mundial, e recordarmos os efeitos do Plano Marshall no mundo podemos perceber o enorme impacto cultural que a Europa sofreu, afinal se não fosse a inundação de capital americano será que hoje estaríamos a comer Big Mac’s no McDonalds em todas as cidades europeias?

Mais tarde e por resultado de outras crises de dimensões diversas, a Europa percebeu que para poder continuar a ocupar o seu lugar no mundo teria que caminhar para um sistema mais global em que os seus países deitariam por terra as suas fronteiras abrindo lugar a um mercado global de livre-trânsito de produtos, serviços e trabalhadores assim como criando um sistema monetário comum… surgiu a União Europeia e posteriormente o Euro.

Hoje a Europa está novamente em dificuldades, mas o capital americano deixou de ser uma solução porque simplesmente não existe.

Não é fácil prever o que acontecerá, talvez até sejam os capitais asiáticos a ajudar-nos desta vez… E essa é uma ideia um pouco assustadora visto que as diferenças culturais entre os nossos continentes são abismais e um choque cultural desta envergadura poderia ser bastante complicado de gerir para a Europa.

Ainda assim, não é uma hipótese a descartar de imediato ainda que seja talvez improvável uma vez que países como a China têm imensos problemas, especialmente de escala nomeadamente no que toca à população, destruição ecológica e escassez alimentar. Isto já para não mencionar o mau timing na sua industrialização que ainda que os tenha tornado numa potência mundial, fê-lo numa altura em que esse parece ser um modelo económico ultrapassado.

Mas especulações à parte as mudanças já começaram um pouco por toda a Europa, e mudar é bom! Parece que caminhamos para um mundo onde as instituições financeiras serão maiores e mais globais, as economias mais unidas; anunciam-se realinhamentos geoestratégicos de potências e alianças, maior intervenção do estado com maiores preocupações sociais, uma maior consciencialização ambientalista dos povos, governos e indivíduos… será provavelmente o fim da história industrial no mundo, o inicio do fim dos combustíveis fósseis e o final na crença do tecnotriunfalismo.

Na Europa assiste-se agora a reposicionamentos dos países mais conservadores no que toca à união dos países europeus o que anuncia um futuro animador para a U.E. com mais união e coesão, sinais estes claríssimos nas declarações dos Primeiros-ministros da Suécia, Frederik Reinfeld e da Dinamarca, Anders Rasmussen, países estes que tinham rejeitado o Euro e que agora declaram que a crise está a revelar a importância de aderir à Moeda Única Europeia.

Esta é uma crise com um potencial enorme, algo que tinha que acontecer de forma a possibilitar o contínuo e sustentável crescimento da economia mundial (sublinhe-se aqui a palavra sustentável).

Os mercados serão limpos de todos os que para eles não tenham suficiente mais-valia, muitos desaparecerão mas os que sobreviverem serão melhores e mais funcionais, muitos vão sem dúvida sofrer com esta crise, mas esse é o processo darwinista que as economias precisam de tempos a tempos para assegurar o seu futuro.

Mesmo os nossos hábitos terão agora que mudar, teremos que atingir níveis mais elevados de eficiência nas nossas vidas pessoais e profissionais, teremos que aprender a usar o crédito de forma mais inteligente, teremos que investir mais e melhor, teremos nos próprios que ser melhores!

Para Portugal, esta crise se bem gerida pode representar uma oportunidade de convergir com o resto da Europa, convergir economicamente, culturalmente e mesmo geograficamente.

O mundo tal como o conhecemos hoje não existirá dentro de 3-5 anos, todas as economias serão diferentes e se trabalharmos para isso e tivermos alguma sorte, todos viveremos melhor.

Ricardo Madeira