sexta-feira, 24 de abril de 2009

Deputadas: Digam lá 33


Porque insistimos em fazer leis quando não estamos preparados para as cumprir ?

Quando as coisas são iguais para quê uma lei que as torna diferentes?

A polémica surgiu esta semana com uma alegada tentativa do PSD para contornar a lei da paridade no que toca à lista para as Europeias. Como a nova lei exige, deverá ser intercalada uma candidata do sexo feminino por cada três deputados do sexo masculino.

A congeminação social democrata demonstra um dos argumentos supra-referidos: a impreparação social para cumprir leis promulgadas.

Segundo aquilo que foi veiculado na imprensa, a estratégia do partido passaria por intercalar a quota de mulheres indicada pela lei mas, à posteriori, fazer com que elas renunciassem ao seus cargos.


O ridículo é que a própria lei sobre a paridade é, ela mesma, uma lei segregacionista, uma vez que divide define o género como uma variável de acesso ao poder em detrimento das competências que são alheias à diferenciação sexual.

A lei aprovada em 2006 pelo Presidente da República Cavaco Silva acaba por estar redundada ao ridículo.

Se atentarmos num dos documentos basilares para a cidadania, verificamos que já a 10 de Dezembro de 1948 a Declaração Universal dos Direitos do Homem proclamava:

«Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. (..) Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país.»


Isto significa que durante 58 anos as mulheres tiveram consagrado um estatuto que em tudo era igual ao dos Homens, mas foi preciso, em Portugal, criar uma lei para, por um lado, distingui-las sexualmente e, por outro, enfatizar que são pelo menos 33% iguais aos homens.

Das duas uma. Ou assumimos que somos uma sociedade livre e igualitária, de livre acesso a cargos públicos ou então insistiremos numa teatralização democrática por quotas, por parcelas, pois leis impositivas e discriminatórias.

Rotular os detentores para lá daquilo que sejam as suas competências tecnocratas é desvirtuar o desempenho dos cargos políticos.

Bem mais útil seria implementar uma lei que obrigasse os executivos a cumprirem, pelo menos, 33% das promessas eleitorais.

Uma lei, por si só, não faz uma regra prevalecer, a mentalidade sim.

Ora digam lá trinta e três.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Igreja: Controlem-se

A recente passagem de Bento XVI pelo continente Africano fica marcada por mais um confronto conceptual em torno do uso do preservativo.

O tema não é novo, a posição intransigente da Igreja é também sobejamente conhecida.
O que é mais preocupante é a Igreja ter escolhido o Continente mais flagelado pelas doenças infecto-contagiosas, com particular destaque para a SIDA, para reiterar a sua posição adversa em relação ao preservativo.

Mais do que o preservativo enquanto objecto a Igreja teme o que ele possa significar. A liberalização das relações interpessoais, uma certa libertinagem nos comportamentos sexuais mas principalmente a decadência do seu papel enquanto reguladora desses mesmos comportamentos.

Ao longo dos séculos, a Igreja sempre encontrou na estrutura familiar um reduto infalível para a conservação da sua doutrina. Substituindo-se aos doutrinadores pastorais os núcleos familiares foram os maiores repressores de comportamentos ditos modernos mantendo, deste modo, os dogmas e a ordem visada pela Igreja.

Trata-se de um problema puramente conceptual uma vez que a Igreja nao consegue destrinçar que o uso do preservativo e uma procriação responsável sejam duas faces da mesma moeda.

É precisamente devido a este aspecto que a Igreja se sente desconfortável, pelo facto de estarmos perante uma mudança de paradigma que distingue a sexualidade da reprodução. O uso do preservativo comporta uma profunda mudança radical de mentalidade em relação à esfera do sexo, da afectividade e da relação entre homem e mulher.

Não é de agora mas a Igreja sempre temeu a técnica porque ela representa uma mudança no modus vivendi da população.

Confinados ao seu pensamento retrógrado fomos nascendo sempre debaixo de uma poderosa maquina instigadora de coacção que nos foi reprimindo comportamentos, que quase nos fez acreditar que o nosso corpo era algo de pecaminoso, que nos disse que era preciso casar para se ser feliz, que mesmo que o nosso casamento fosse de fachada e perfeitamente infeliz o teriamos que aguentar porque "Deus" assim o desejava.

A Igreja criou alegorias de concepções imaculadas, tornou uma maçã simbolo de pecaminosidade, deixou bem patente no pecado original que Eva, enquanto representante das mulheres deveria optar por uma conduta celestial e ordeira sob pena de ser expulsa do paraíso. Estamos portanto a falar duma mulher concebida como um ser inferior ao homem, mulher que deve ser a sombra do seu marido, mulher que deve ser reduzida à sua função procriadora.

A Igreja teme uma mulher livre e autodeterminada pois ela será a chave para a decadência do seu modelo repressivo.

Para Bento XVI a separação entre sexualidade e casamento tornou-se uma espécie de mina errante, um problema e ao mesmo tempo um poder omnipresente. Ao render-se aos afectos e ao descobrir as potencialidades do seu corpo teremos uma sociedade regida pela consciência livre e singular.

Consigo compreender que a Igreja tenha uma faceta interventiva na sociedade espalhando a mensagem de Cristo, já não consigo conceber que se intitule portadora de verdades dogmáticas sobre causas contemporâneas.

A Igreja usou o nome de Cristo nas Cruzadas Cristãs com pressupostos expansionistas, tentou sempre silenciar correntes de pensamentos que pusessem em causa as suas regalias e é das instituições em que o seu líder mais opulência ostenta.

Não reconheço na palavra de Cristo nenhum salmo dedicado a tácticas militares, à condenação violenta do pensamento de outrem ou qualquer elogio ao dandismo.

Terá a Bíblia sido actualizada algures na Wikipedia com um artigo versando sobre o uso do preservativo?

Não terá Deus apenas ensinado os seres humanos a amarem-se respeitando sempre o próximo?

Mantendo este rumo a Igreja perderá todo o seu propósito. Se Deus está no meio de nós, não necessitaremos de intermediários de consciência.