sábado, 1 de novembro de 2008

Crise: Hoje, Ontem, Amanhã

Para que haja um futuro amanhã temos hoje que resolver o futuro de ontem!

A crise financeira, tema de que tanto se tem falado “um pouco” por todo o mundo… Uma crise que até já foi comparada pelo Governador do BCE como de proporções idênticas àquela que a Europa sofreu no pós Segunda Guerra Mundial. Uma crise que foi criada pelo mundo financeiro que, ao longo da última década, exponencializou os seus lucros de uma forma absolutamente insustentável enriquecendo à custa de um sistema canibal de especulação e crédito – crédito habitação, crédito ao consumo, crédito ao crédito e crédito ao crédito para crédito…

Diz-se agora que o subprime não foi uma crise, mas antes o sintoma de uma crise que se avizinhava e a própria crise dos combustíveis parece ter perdido relevância (excepto para todos os que com ela perderam dinheiro nos seus investimentos). Hoje o problema de liquidez entre os bancos piorou, o dinheiro ficou mais caro, os investimentos retraíram com receio desta conjuntura de incerteza, as bolsas ressentiram-se profundamente revelando quedas de proporções avassaladoras, o sistema bancário entrou em colapso e muitas pessoas iniciaram uma corrida aos balcões dos seus bancos com medo de perder o seu dinheiro.

Observámos também nas últimas semanas as primeiras reacções a esta crise a nível mundial. Tivemos um corte das taxas de juro pelo BCE, FED e Reino Unido em 0,5 pontos percentuais (…) e agora os governos tornaram-se fiadores dos bancos criando uma almofada de 20.000Meur, o que tal como o Ricardo Araújo Pereira evidência na sua crónica semanal na revista Visão cria um interessante sistema em que “A troco de apenas algum dinheiro, os bancos emprestam-nos o nosso próprio dinheiro para que possamos fazer com ele o que quisermos.”

É de facto irónico que numa crise com esta dimensão, os primeiros a quem tenhamos que deitar a mão sejam os principais responsáveis pela própria crise e o sector que na última década mais cresceu com lucros cujos valores podem apenas ser classificados pelo comum mortal como absolutamente pornográficos.

No meio de tudo isto certo será que 2008 entra para a história como um ano negro na economia mundial, mas será só isso?

O primeiro-ministro britânico Gordon Brown no seu artigo de opinião no Washington Post fala em aproveitar esta crise para “construiu um mundo novo”. E em sintonia com ele penso que de facto 2008 não será apenas o ano da maior crise económica mundial conhecida desde a Segunda Guerra Mundial. De facto esta será o ano em que economia muda uma vez mais o mundo.

Se pensarmos mais uma vez no pós-Segunda Guerra Mundial, e recordarmos os efeitos do Plano Marshall no mundo podemos perceber o enorme impacto cultural que a Europa sofreu, afinal se não fosse a inundação de capital americano será que hoje estaríamos a comer Big Mac’s no McDonalds em todas as cidades europeias?

Mais tarde e por resultado de outras crises de dimensões diversas, a Europa percebeu que para poder continuar a ocupar o seu lugar no mundo teria que caminhar para um sistema mais global em que os seus países deitariam por terra as suas fronteiras abrindo lugar a um mercado global de livre-trânsito de produtos, serviços e trabalhadores assim como criando um sistema monetário comum… surgiu a União Europeia e posteriormente o Euro.

Hoje a Europa está novamente em dificuldades, mas o capital americano deixou de ser uma solução porque simplesmente não existe.

Não é fácil prever o que acontecerá, talvez até sejam os capitais asiáticos a ajudar-nos desta vez… E essa é uma ideia um pouco assustadora visto que as diferenças culturais entre os nossos continentes são abismais e um choque cultural desta envergadura poderia ser bastante complicado de gerir para a Europa.

Ainda assim, não é uma hipótese a descartar de imediato ainda que seja talvez improvável uma vez que países como a China têm imensos problemas, especialmente de escala nomeadamente no que toca à população, destruição ecológica e escassez alimentar. Isto já para não mencionar o mau timing na sua industrialização que ainda que os tenha tornado numa potência mundial, fê-lo numa altura em que esse parece ser um modelo económico ultrapassado.

Mas especulações à parte as mudanças já começaram um pouco por toda a Europa, e mudar é bom! Parece que caminhamos para um mundo onde as instituições financeiras serão maiores e mais globais, as economias mais unidas; anunciam-se realinhamentos geoestratégicos de potências e alianças, maior intervenção do estado com maiores preocupações sociais, uma maior consciencialização ambientalista dos povos, governos e indivíduos… será provavelmente o fim da história industrial no mundo, o inicio do fim dos combustíveis fósseis e o final na crença do tecnotriunfalismo.

Na Europa assiste-se agora a reposicionamentos dos países mais conservadores no que toca à união dos países europeus o que anuncia um futuro animador para a U.E. com mais união e coesão, sinais estes claríssimos nas declarações dos Primeiros-ministros da Suécia, Frederik Reinfeld e da Dinamarca, Anders Rasmussen, países estes que tinham rejeitado o Euro e que agora declaram que a crise está a revelar a importância de aderir à Moeda Única Europeia.

Esta é uma crise com um potencial enorme, algo que tinha que acontecer de forma a possibilitar o contínuo e sustentável crescimento da economia mundial (sublinhe-se aqui a palavra sustentável).

Os mercados serão limpos de todos os que para eles não tenham suficiente mais-valia, muitos desaparecerão mas os que sobreviverem serão melhores e mais funcionais, muitos vão sem dúvida sofrer com esta crise, mas esse é o processo darwinista que as economias precisam de tempos a tempos para assegurar o seu futuro.

Mesmo os nossos hábitos terão agora que mudar, teremos que atingir níveis mais elevados de eficiência nas nossas vidas pessoais e profissionais, teremos que aprender a usar o crédito de forma mais inteligente, teremos que investir mais e melhor, teremos nos próprios que ser melhores!

Para Portugal, esta crise se bem gerida pode representar uma oportunidade de convergir com o resto da Europa, convergir economicamente, culturalmente e mesmo geograficamente.

O mundo tal como o conhecemos hoje não existirá dentro de 3-5 anos, todas as economias serão diferentes e se trabalharmos para isso e tivermos alguma sorte, todos viveremos melhor.

Ricardo Madeira

3 comentários:

  1. Não és só tu a ter a estreia. Também me estou a estrear enquanto mero comentador.

    Parece-me uma visão muito acertada. Sabemos que estes sistemas vivem de um equilibrio quase homeostático e que, quando posto em causa,se verificam grandes rupturas.

    Foi bem lembrado o Plano Marshall que foi decisivo para a implementacao deste neoliberalismo economico e entrada do capital e influência americana na Europa.

    Depois de comprada a divida externa dos Estados Unidos será que a China verá nesta crise um passo importante para a sedimentação do seu estatuto no mundo?

    abraço

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  2. um grande comment à crise, sim sr. Sr. Doutor Ricardo hehe :) quem sabe sabe. e quem não sabe lixa-se. quem pediu crédito ardeu. os senhores dos bancos estão a arder, o capitalismo, esse então (!) ardeu por completo. O capitalismo por capitalismo é a teoria do darwin aplicada às pessoas e isso não pode ser. Há uma guerra mundial a decorrer todos os dias, essa é a da miséria das pessoas um pouco por todo mundo. Esta crise veio dizer que quando na sociedade há miséria ela afecta toda a gente, incluíndo os mais ricos e poderosos. Ninguém sai ileso. Há que pensar e reflectir e há que agir quando se souber e por quem souber.

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  3. Uma coisa é certa esta crise e muito provavelmente o a prova de que o mercado livre de Reagan e Tacher não funciona bem. Sem querer parecer um disco riscado do PCP os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres mais pobres, a ideia de que os ricos tem de fazer mais dinheiro para que este seja distribuída pelos que estão em mais a baixo, simplesmente não é verdade pois os que estão no fundo nunca irão ter acesso a esse dinheiro. Temos portanto de repensar isto, numa altura em que vários governos fazem o novamente nacionalizações dos seus principais bancos, porque quando a economia está bem e o isso é porque o pensamento social democrata funciona quando está mal e em baixo torna-se socialista.

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