quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Reportagem: Vias de Extinção


A investigação é a essência do jornalismo. O jornalismo vive dela, só assim consegue trazer até à hasta pública temas que constituam agenda, histórias arrebatadoras que rompam com a normalidade rotineira.


Infelizmente, para a classe jornalística, a concentração de media em grandes grupos económicos nem sempre é sinónimo de maiores meios. Pelo contrário, muitas vezes dá-se uma redução no tamanho das redacções. No fundo são menos a fazer o mesmo, por vezes, até a fazer mais.


Tomemos este exemplo a titulo de comparação. Num restaurante que sirva 300 refeições e que tenha 30 funcionários o cozinheiro chefe pode dar-se ao luxo de confeccionar refeições gourmet, mas se esse mesmo pessoal for reduzido para metade e a afluência de público se mantiver das duas uma: ou as refeições perdem algum requinte ou então, se houver uma insistência no padrão de qualidade. a
capacidade de produção da cozinha ir-se-á ressentir.


No jornalismo o mesmo ocorre. É impossível a um jornalista manter elevado o padrão do seu trabalho quando este tem que acumular o trabalho que, não fosse a lógica de redução de efectivos, seria desempenhado por vários jornalistas. Perante
este pressuposto a notícia passa a ser o género jornalístico com maior predominância, dado ser o mais rápido, o menos trabalhoso e o que acarreta menores custos para o órgão de comunicação.


Isto significa, pelo menos em Portugal, um jornalismo feito por uma agência e difundido para os subscritores do seu serviço de telex. Ou seja, estamos perante um jornalismo padronizado, em que todos usam a mesma fonte de informação e se limitam a alterar alterar expressões ou pincelam o artigo com informação de arquivo
que o próprio órgão dispõe.


Para que não restam dúvidas nada como exemplificar. Se a Lusa escreve "Museu Berardo chegou aos 100 mil visitantes no fim-de-semana" é provável que o titulo da mesma noticia num qualquer órgão de comunicação que a enquadre dentro dos mesmo padrões-noticia seja "Museu Berardo atinge 100 mil visitantes no
fim-de-semana". ou então "Lucro da PT subiu 6,9 por cento no primeiro semestre" versus "PT teve lucro de 6,9 por cento no primeiro semestre". Deixamos de ter jornalistas para termos correctores ou modeladores de texto.


Esta lógica capitalista de concentração de media estrangula o jornalista nas suas capacidades inatas e que, no fundo, são a sua marca distintiva relativamente a outros actores sociais: a perspicácia, a capacidade sensorial, a sagacidade na busca de informação.


Segundo uma entrevista que me foi concedida, em 2005, pelo Secretário Geral da Lusa, José Manuel Santos, estima-se que «no panorama nacional a informação de agência influencie 75% dos noticiários, sejam eles de televisão ou de rádio.». «Comprar um serviço da Lusa, pode representar o custo de serviço de um redactor sénior, mas pagando apenas o equivalente a um funcionário o órgão de comunicação terá um noticiário que 20 funcionários não produziriam em tempo útil.»



Já o aqui disse que a Reportagem é, por excelência, o género jornalístico que goza
de maior estatuto. Só ela permite romper com a lógica de mínimo denominador comum que impera nas redacções, conferindo ao jornalista maior liberdade de movimentos e, sobretudo, evidenciar as suas capacidade de observação, de interacção e de recolha de dados. Segundo Mar de Fontcuberta a reportagem «usa um estilo narrativo e criativo, está mais próxima da escrita literária. É um género escrito por um repórter que deve fazer uso das suas capacidades empíricas para mais bem traduzir todas as sensações vividas.»


Este ano li duas reportagens absolutamente fenomenais. A primeira editada na Visão nº 737 de 19 Abril de 2007 na qual uma jornalista (a faltar o nome) daquele órgão de comunicação viveu, durante uma semana inteira, numa das mais perigosas favelas do Rio de Janeiro, a favela de Rocinha.


A descrição é pura e dura. Chega mesmo a ferir as susceptibilidades daqueles que se consideram mais capazes. A onda de violência e crime nas ruas, o tráfico de droga, as zonas de domínio territorial de gangs, os requintes de malvadez dos homicídios, a incapacidade da policia penetrar nas ruelas estreitas, a convivência entre as pessoas da comunidade, tudo isso é brilhantemente descrito pela enviada especial. Sem dúvida um trabalho merecedor dos maiores galardões, um autêntico filet-mignon para a classe profissional.


A segunda, mais do que uma prova de competência profissional, é um exemplo inequívoco de heroísmo.


Imagine então um repórter infiltrado, munido de uma câmara oculta que, durante um ano, esteve infiltrado num dos grupos mais violentos existente na nossa sociedade.


Com a identidade encoberta pelo pseudónimo António Salas, um repórter espanhol, conseguiu, durante um ano, infiltrar-se no movimento neonazi espanhol. Dotado de uma capacidade invulgar de recolha de informação, o jornalista vestiu a pele de um autêntico skinhead. De blusão de couro, com suásticas ao peito e de cabelo rapado, António Salas soube ganhar a confiança dos membros mais influentes deste movimento (Teóricos, Presidentes de sociedades, webmasters, chefes de claques de futebol ou simples militantes) e conseguir captar todas as suas manifestações. O livro "Diário de um Skin" deixa patente o submundo do movimento nacionalista, a quase-divinização de Adolf Hitler, as ligações entre partidos políticos e clubes de futebol e o movimento skinhead, as ligações do movimento com os rituais de satanismo e paganismo e todas as manifestações sociológicas ligadas ao movimento.


O trabalho custará ao autor um cerceamento da sua liberdade. Dificilmente poderá voltar a sair à rua tranquilo sem que o espectro de represálias paire sobre ele. A reportagem custar-lhe-á a liberdade, o nome, a identidade. Mas para todos os que a lerem fica o registo de um dos melhores trabalhos jornalísticos jamais feitos.


Num próximo artigo analisarei mais pormenorizadamente o conteúdo da obra de António Salas.


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3 comentários:

  1. K absurdo: «grupos mais violentos existente na nossa sociedade» referia-se o autor deste blog aos skinheads...talvez se lembre mais facilmente deles do que dos grupos de pedófilos ou assaltantes...Você para fazer estas analises jornalisticas tem que ter muito cuidado com as expressões que usa...está a adquirir os "tics" dos jornalistas da nossa praça...

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  2. Caro Emanuel Santos, antes de mais agradeco a sua participação.

    Compreendo a sua crítica mas repare que se há grupo na nossa sociedade a que podemos aplicar essa expressão "violento" será seguramente aos skinheads.

    A crítica nao é pejorativa apenas a constatação de um facto. Todo o aspecto militarizado, o culto pelo físico, as tatuagens evocando momentos bélicos ou heróis de guerra são (mesmo que inconscientemente) transmissoras de uma certa violência. Digo-lhe até que conheco algumas pessoas que partilham a ideologia e não se incomodam minimamente com a descrição de "violentos". É a sua força de se exprimirem apenas isso.

    Uma vez mais obrigado pela participação

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  3. Aos amigos, sou editor do blog DESABAFO PAÍS (tendência esquerda)e solicito a divulgação do novo vídeo chamado UM GRANDE VENCEDOR, homenagem ao presidente LULA. O endereço do YuoTube é:
    http://br.youtube.com/watch?v=zBBGMmzhYE4
    Um abraço, DANIEL PEARL.

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