sábado, 13 de outubro de 2007

Al Gore: Uma Vitória Inconveniente


"O que a nos pertence a nós retorna". A figura de Al Gore poderia muito bem ser traduzida por esta expressão.



O ex-vice presidente da administração Clinton (1993-2001) foi lançado para a ribalta politica quando, no ano de 2000, foi eleito nas primárias para ser o candidato democrata à Casa Branca.


Nesse mesmo ano enfrentaria o candidato republicano, George W. Bush, numas eleições que levantaram fortes suspeições sobre a autenticidade do acto eleitoral e descredibilizaram o sistema politico americano.


Sistema Eleitoral Americano: Al Gore Versus George Bush

O sistema eleitoral americano tem determinadas particularidades que convém dissecar.


Para que um candidato vença as eleições ele tem que conseguir eleger, no mínimo, 270 dos 538 deputados para o Colégio eleitoral.


Cada Estado Americano terá os seus deputados eleitos numa razão proporcional à sua população. Este factor redunda numa grave fragmentação do país, sobretudo entre litoral e interior, dado que nem todos os Estados têm o mesmo interesse político.


Se uma vitória na Califórnia representa a eleição de 55 deputados, Texas (34), Nova Iorque (31), Flórida (27) outros Estados do interior raramente ultrapassam a fasquia dos 10 deputados. Devido a este facto, a luta mediática pelos votos é feita sobretudos nos grandes aglomerados urbanos, deixando o restante país relegado ao esquecimento.


Acontece que a vitória nestes Estados é crucial para a concecussão da vitória eleitoral. A titulo exemplificativo, caso o candidato Democrata vença na Califórnia ele conseguirá eleger 57 deputados sendo que o candidato Republicano não irá eleger nenhum.


É precisamente este sistema proporcional que causa maior estranheza. Nos Estados Unidos um candidato poderá ter a maior quantidade de votos efectivos mas ser o derrotado das eleições dado que perdeu nos Estados mais representativos.


Foi precisamente isto que aconteceu, em 2000, nas eleições que opuseram Al Gore a George W. Bush.


Embora o candidato Democrata (Al Gore) tenha atingido 48,31% (50.158.094 votos) e George Bush apenas 47,99% (49.820.518 votos), Bush conseguiria eleger 271 deputados face aos 267 de Al Gore.


Envolto em suspeitas, sucessivas recontagens de votos e acções legais, o Estado da Flórida seria o decisor, em favor de Bush, das eleições de 2000.


Al Gore: Take 2

Porém, o grande mérito de Al Gore foi perceber que o processo de legitimação política não se esgota na chegada à presidência.


Tidos como poderes sociais crescentes, a acção cívica e a participação social pró-activa ganham terreno à participação política. Al Gore tem-nos usado para difundir a sua mensagem pró-ambiente.


Al Gore inverteu mesmo a lógica do processo de comunicação política. Enquanto que a grande tendência desse processo é fragmentar os públicos de acordo com os seus interesses (para mais fácil controlo), o ex-vice presidente americano lançou um repto colectivo no qual só uma acção conjunta poderá salvar o planeta.


Mas não só nos aspectos supra-referidos Al Gore é um visionário. Para difundir a sua mensagem Al Gore apoiou-se nas novas plataformas de comunicação: a internet, sobretudo através do vídeo.


Primeiro ao promover a espírito de iniciativa do cidadão-repórter através da sua Current TV. Depois através de um filme que a espaços quase parece um Home made movie.


Num contexto em que o Youtube se afirma como um colosso da comunicação global Al Gore compreendeu a filosofia que está por detrás dele. O seu filme/documentário "Uma Verdade Inconveniente" está impregnado por essas características.


A uma comunicação política institucionalizada, rígida, formal, Al Gore contrapôs um documentário narrado num estilo informal, quase familiar. E por entre suspiros e uma voz embargada Al Gore fez o que poucos políticos conseguem: colocar-se ao mesmo nível que o povo mostrando que a luta ambiental depende de todos e de cada um.


O seu documentário tem uma dose propagandistica subliminar.


Paralelamente à luta pelo ambiente, "Uma Verdade Inconveniente" serve como plataforma de promoção a Gore. Ao longo de pouco mais de 100 minutos o filme alterna entre a situação ambiental do globo e o papel que Al Gore tem tido na sua defesa ao longo do seu trajecto político. No fundo o documentário pretende associar a figura do ex-vice presidente a uma das temáticas de maior acuidade actual. Os objectivos foram claros tornar Al Gore a figura proeminente do movimento pró-terra e consequentemente torná-lo numa figura de relevo na agenda mundial.


Al Gore tornou-se um autêntico "Globetrotter ambiental" promovendo ciclos de conferências nos quais alertava os diferentes países para as consequências nefastas das alterações climáticas.


Talvez o maior mérito de Al Gore foi ter persuadido a indústria global que, todos nós sabemos, é quem mais tem contribuído para as emissões de dióxido de carbono para atmosfera.


Al Gore conseguiu perpassar a mensagem de que o crescimento económico não se poderia alcançar a qualquer custo e que seria mais vantajoso para as economias mundiais optarem por tecnologias pró-ambiente do que remendar os crescentes malefícios provocados pelas emissões. Al Gore colocou definitiva e irremediavelmente o ambiente na agenda política.


O filme de Gore tornou-se mesmo o 3º documentário mais vendido nos Estados Unidos e seria, sem grande surpresa, que Davis Guggenheim receberia o óscar da academia pela sua realização.


2007 foi o ano de consagração de Al Gore. Aos inúmeros galardões recebidos pela sua campanha, Al Gore recebeu a distinção do prémio Nobel para a paz um prémio que partilhará com a GIEC, um grupo da ONU que se ocupa igualmente das questões ambientais.


«Este é o problema mais perigoso que temos de enfrentar, mas temos também a grande oportunidade de mudar algo. (..) Temos de arranjar uma forma rápida de mudar a consciência do mundo em relação a este tema importante» sublinhou Al Gore.


Numa altura em que George W. Bush bate, segundo uma sondagem da Associated Press-Ipsos, os níveis mínimos (31% de aprovação) que um Presidente jamais teve nos Estados Unidos Al Gore vê reposta a justiça que faltou ao processo eleitoral de 2000. Muitos analistas conjecturam uma possível candidatura de Al Gore às próximas eleições de 2009. Mas mesmo que não se candidate Gore arrisca-se a ficar lembrado como uma das figuras deste século.


Gore confirma uma das máximas mais consensuais. Não importa o poder que se tem mas sim o que se faz como ele. O Nobel atribuído a Gore é sem dúvida uma vitória inconveniente para muita gente.


Tal como comecei "o que a nós pertence a nós retorna".


Num próximo artigo analisarei o documentário "Uma Verdade Inconveniente" sob a perspectiva da comunicação.


Terry Mosher The Montreal Gazette


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